Contextualização
A descrição mais geral do sistema de produção de voz é dada pelo conhecido modelo Fonte-Filtro de Fant. Segundo este modelo, a voz é modelada por três processos lineares: a excitação glótica (fonte), a filtragem através do tracto vocal e o efeito de radiação labial (Fant, 1960).
A fonação é o resultado da actividade das pregas vocais da laringe quando o fluxo de ar proveniente dos pulmões passa pelas mesmas (Kreidler, 2001).
O modelo Fonte-Filtro propõe que a energia acústica gerada por uma fonte sonora, passe posteriormente por um sistema de transmissão dependente da frequência. O objectivo da análise da fala é o de identificar a fonte sonora e descrever a função filtro correspondente (Kent, 1993). O sinal sonoro proveniente das pregas vocais é caracterizado pela envolvente do seu espectro. Esta envolvente é uma especificação das amplitudes dos harmónicos da fonte em função das suas frequências e reflecte características pessoais do falante (Fant, 1970). Por outro lado, o tracto vocal actua como um filtro acústico que determina a qualidade vocal da vogal (Liberman, 1984).
Os seres humanos, sendo profundamente sociáveis, são excepcionalmente capazes de detectar características da voz e avaliar a intenção, estado emocional e até mesmo estado de saúde a partir da mensagem do orador. Estas características da voz determinam a qualidade vocal (Airas, 2008).
A qualidade, quer de uma voz patológica quer de uma voz normal, é um fenómeno perceptual, pelo que avaliações perceptivas são por vezes consideradas o “patamar de ouro” da avaliação da qualidade vocal. A avaliação áudio-perceptiva é não invasiva e rápida, não requerendo o uso de qualquer equipamento electrónico (Orlikoff et al., 1999). No entanto, não sendo esta avaliação objectiva, os ouvintes avaliadores nem sempre estão de acordo na classificação que atribuem à qualidade vocal. Estes julgamentos dependem da forma como cada avaliador entende o que é uma voz com qualidade, da escala para a dimensão de qualidade vocal, da sua sensibilidade para esta dimensão, da fadiga, da atenção, da exposição a várias vozes com perturbações e do treino na avaliação perceptiva da qualidade de voz (Eadie and Baylor, 2006).
A avaliação acústica da voz, por outro lado, depende de medidas objectivas extraídas a partir de processamento computacional de sinal. Alguns dos parâmetros acústicos que compõem o sinal são a sua periodicidade, amplitude, duração e composição espectral.
A substituição de sistemas de gravação analógicos por sistemas digitais, a existência de algoritmos de análise automáticos e o facto de as medidas acústicas serem também não invasivas, assim como o facto de os parâmetros acústicos quantificarem facilmente a melhoria de disfonias durante o processo de tratamento, levaram a um interesse considerável na medição da qualidade de voz clinica a partir de técnicas baseadas na análise acústica (Maryn et al., 2009).
O processamento digital de sinal, método dominante para a análise acústica da voz, permite a aquisição e gravação de sinais acústicos e implementa algoritmos quantitativos baseados na teoria Fonte-Filtro. Programas de Software baseados em processamento digital de sinal têm diversas funcionalidades tais como a representação da forma de onda do sinal e sua edição, sendo estas bastante úteis ao utilizador (Kent, 1993).
Sendo a voz multidimensional, a análise da mesma deve envolver uma avaliação não só perceptiva como também objectiva (Klein et al, 2000). Actualmente existem diversas formas de medir a voz objectiva e subjectivamente não existindo, no entanto, nenhuma forma padrão que avalie a sua qualidade, comprometendo assim a avaliação de diferentes tratamentos e seus respectivos resultados. Avaliando acusticamente a voz, os sistemas digitais têm vindo a auxiliar o coaching vocal, permitindo conciliar a avaliação perceptiva com a avaliação acústica de sinais de voz.
© 2015 por Catarina Santos